Domingo cedo eu ia de táxi de Ipanema ao Aeroporto do Galeão e, antes de
entrar no túnel Rebouças, o motorista festejou: "Estamos com sorte; o túnel
está aberto." Ainda pela madrugada, o túnel fechara mais uma vez, porque
bandidos interrompem o tráfego para roubar carros, armados de fuzis
automáticos e metralhadoras. Significativamente, o túnel passa abaixo dos
pés do Cristo Redentor. Na quinta-feira à noite, eu havia feito uma palestra
no Hotel Sheraton, em frente à favela do Vidigal, e até uma hora antes não
se sabia se a Avenida Niemeyer estaria bloqueada ou não pelos tiroteios.
Quando cobri a guerra no Líbano, em 1982, não imaginei que iria encontrar
situação semelhante na Cidade Maravilhosa, em pleno século 21. E como reage
o governo? Tentando desarmar as pessoas de bem, que têm armas para sua
legítima defesa.
Dos milhares de armas que as pessoas entregaram, algumas caíram em mãos dos
bandidos. Sabe-se de 83 dos melhores exemplares - algumas já encontradas
para confirmar a troca de mãos. Não se sabe do resto. As velhas,
enferrujadas, das viúvas, já passaram pelo rolo compressor. Diz-se que as
armas estão sendo recolhidas para que não caiam nas mãos dos bandidos...
Enquanto isso, em São Paulo, no bairro chique de Itaim, quase 30 edifícios
já foram assaltados sem pressa. Os bandidos entram e ficam seis horas a
vasculhar os apartamentos, com a confiança de que não haverá reação porque,
afinal, as pessoas não têm armas para defender seus lares. No meu estado
natal a gente aprende que se nos agachamos, alguém vai acabar nos montando.
Não vejo problema em implantar o maior rigor no registro de armas. Exame de
equilíbrio emocional, de ficha policial e de adestramento no manejo da arma
são necessários. Mas não vejo por que impedir o cidadão de exercer o
elementar direito da legítima defesa. Além disso, proibir venda de armas de
nada vai adiantar, porque o bandido não compra arma na loja, mas na ponta do
tráfico. Desarmar pessoas de bem não é vantagem alguma. O Estado precisa é
desarmar o bandido. Que, no Brasil, não toma armas das residências das
famílias mas dos quartéis do Estado. As outras vêm do exterior, no
contrabando. Vamos gastar 600 milhões de reais com o referendo. E se esse
dinheiro fosse aplicado em equipar e treinar policiais?
Pesquisa da semana passada mostra o pavor que impera nas capitais. Em Belém,
três em cada cinco famílias declaram viver em área sujeita à violência ou
vandalismo. No Rio, duas em cada cinco. O índice menos ruim é o de Brasília:
uma em cada cinco famílias declara-se moradora de área de risco para a
segurança. Vinte por cento! Nosso índice mais baixo de violência deve ser
parecido com o do Iraque, onde todo mundo anda armado. Aqui se mata mais,
sem dúvida. Mais de cem por dia. Nessa guerra, em vez de desarmar o
atacante, tratamos de desarmar a vítima.
Vai nos restar o carro blindado, a grade nas portas e janelas, as câmeras de
big-brother orwelliano, a folha de pagamento dos seguranças, o colete à
prova de balas. E o medo. De que lado está o Estado? Se quiser todos
desarmados, que reforme a Justiça e a polícia, para termos lei e segurança.
Brasileiro com medo não é cidadão; é súdito.